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Há 40 anos, a eleição indireta de Tancredo Neves abria os caminhos para a redemocratização do Brasil


Foto: Agência Senado/Célio Azevedo Por: Jairo Costa Jr.

 Quase 21 anos depois do golpe que instaurou a ditadura militar e de todo o horror decorrente dela, os brasileiros teriam a chance de ver um civil na Presidência

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 16 de janeiro de 2025
Há 40 anos, dois tipos de sentimento dominavam o Brasil naquele histórico 15 de janeiro de 1985. Após meses de epifania popular, com multidões tomando as ruas das grandes cidades para pedir “Diretas Já”, a frustração era evidente. Afinal, a Emenda Dante de Oliveira, que restabelecia o direito do povo de eleger o presidente pelo voto direto, havia sido derrubada por apenas 65 votos contrários, ante 298 a favor. Mesmo assim, o desalento não conseguiu suplantar a sensação de alívio. Não era pra menos.
Quase 21 anos depois do golpe que instaurou a ditadura militar e de todo o horror decorrente dela, os brasileiros teriam a chance de ver um civil na Presidência, ainda que de maneira indireta. Ou seja, por meio do colégio eleitoral formado por senadores, deputados federais e deputados estaduais indicados pelas assembleias legislativas. Estava longe dos ideais de democracia, mas já era um sinal de luz em meio às trevas.
De um lado, estava o então deputado federal Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, aliado dos militares e integrante do PDS, filhote da Arena, o partido da ditadura. Do outro estava, o mineiro Tancredo Neves, ex-governador, ex-senador e opositor do regime militar. Candidato escolhido pelo PMDB, Tancredo chegaria à disputa na condição de um dos principais líderes do movimento pelas eleições diretas. Foi catapultado também pelo racha no PDS, cujos dissidentes, entre os quais Antonio Carlos Magalhães e José Sarney, se alinharam a ele para criar a Aliança Democrática.
A vitória foi elástica, 480 votos para chapa Tancredo-Sarney, contra 180 da dupla rival, composta por Maluf e pelo ex- -ministro Mário Andreazza. O adeus aos militares, enfim, tinha data marcada: 15 de março. Mas na véspera da posse, Tancredo adoeceu gravemente e, na companhia do Brasil inteiro, iniciou uma via-crúcis que só terminou com sua morte, em 21 de abril, Dia de Tiradentes, data cara para Minas Gerais.
A causa do óbito até hoje é motivo de controvérsia. Primeiro, diverticulite; depois, tumor benigno; e por fim, síndrome de resposta inflamatória sistêmica. Em vez de Tancredo, quem ocupou a cadeira de forma definitiva foi Sarney. No entanto, as bases para a redemocratização já estavam estabelecidas. O resto é história.

Em 2010, mais de 300 barracas foram derrubadas após uma decisão liminar do juiz Carlos D’Ávila Teixeira

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 9 de janeiro de 2025
Não é de hoje que a orla de Salvador não é mais a mesma, nem para o banhista, nem para o comerciante. Não é de hoje mesmo, o imbróglio das praias soteropolitanas já é quase debutante - ou maior de idade, se quiser entender mais um pouco. Nessa novela (trágica e arrastada, diga-se de passagem), um dos autores que assinam o folhetim é o juiz Carlos D’Ávila Teixeira, da 13ª Vara da Justiça Federal.
Foi ele que, em uma decisão liminar, descreveu as barracas de praia como “favelas na areia” e determinou demolição, classificando a orla da capital baiana como “o mais horrendo e bizarro trecho do litoral das capitais brasileiras”. O resultado? Uma operação que, com tratores, escavadeiras e todo arsenal possível, derrubou 352 barracas de praia. Saiu a “favela” e junto com ela a renda e o lazer de muitos soteropolitanos.
A liminar não teve mérito julgado e permanece há quase 15 anos. Ela atendia a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) que alegava que as estruturas estavam distribuídas em terreno da União, mas sequer essa ação foi julgada.
Barracas ao chão
Na manhã de 23 de agosto de 2010, o cenário era de desespero. Barraqueiros e familiares ergueram barricadas, gritaram, choraram e resistiram. Alguns ameaçaram greve de fome; outros preferiram destruir seus próprios estabelecimentos. Nada disso deteve os tratores, que avançaram sob escolta policial. “De 2010 para cá, tivemos uma redução de 90% nas nossas vendas”, relembra Denilson Carvalho, diretor da associação de permissionários, destacando o impacto devastador nas famílias que dependiam da praia.
Só na orla de Patamares, foram 3 mil trabalhadores que ficaram, da noite para o dia, sem emprego. Mas o prejuízo foi muito maior: a morte da cultura da praia, do lazer mais democrático da cidade, sem falar no apagamento do mar paradisíaco de águas mornas da capital.
Os trapalhões
A decisão do juiz pôs fim a uma queda de braço entre a prefeitura (na época comandada por João Henrique) e o Ministério Público, que em 2006 apontou uma série de irregularidades na construção de 50 novas estruturas de alvenaria na areia. O projeto era comandado pelo então secretário de Serviços Públicos, Arnando Lessa, e tinha por trás as cervejarias Ambev e a Schincariol. Foi ali que os últimos dias das barracas de Salvador começaram a ser contados.
O Judiciário embargou as construções, mesmo sob declarações do prefeito, que dizia que as estruturas só seriam destruídas por cima do seu cadáver. As estruturas foram ao chão e, depois dali, os olhos do magistrado voltaram-se para as outras barracas.
Baixa estação
Os barraqueiros que atuavam na faixa de areia tinham autorização da gestão municipal. O juiz, no entanto, considerava que eles estavam ali ilegalmente, pois faltava a anuência do governo federal. Com retórica implacável, ele classificou a orla como “favelizada, imunda, entupida de armações em alvenaria” e determinou a demolição das barracas. A Associação dos Comerciantes em Barracas de Praia chegou a entrar com mandados de segurança contestando a decisão do juiz Carlos D’Avila Teixeira. Ainda assim, a sentença, executada com a força das máquinas, resultou, ao final, na destruição de 447 barracas ao longo dos 64 km de litoral da cidade.
Sob pedra
14 anos se passaram e o processo segue correndo na Justiça. Correndo não, parado, como se uma pedra tivesse sido colocada sobre ele. Sequer muda de instância. Com a proibição de construções na faixa de areia, os banhistas seguem sem banheiro ou qualquer estrutura, com barracas de lona precárias e o pior: sem clientes ou, no máximo, alguns gatos pingados.
“Aqui a gente sofre. Não tem banheiro, não tem policiamento, e os turistas reclamam. É uma vergonha”. O lamento é do comerciante Raimundo Melo. Ele e outros colegas precisam improvisar cozinhas comunitárias fora da faixa, muitos alugam espaços para guardar o material e permanecem sem água ou sistemas adequados de descarte de lixo. Toda essa estrutura exige ainda que eles desembolsem todo mês R$ 319 para atuar na orla.
Expulsos da areia
Desde então, todo projeto que tentou recuperar a orla precisou ser fora da faixa de areia. Um exemplo foram os quiosques lançados em 2015, na gestão de ACM Neto. A proposta fracassou, porque, além da estética “playground de condomínio do Corredor da Vitória”, ela era desconectada do comportamento do soteropolitano nas praias, acostumado a consumir com o pé na areia. Projetos de revitalização tropeçaram entre decisões judiciais e desinteresse, perdem os comerciantes, os banhistas e as cidades.

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